Sindika Dokolo: "Às vezes tenho o privilégio de ela ser a minha mulher e não eu o marido dela"




Sindika Dokolo nasceu no Congo e descobriu Angola em 1999 porque perdeu o avião para o Brasil, onde ia passar férias. 

Três anos depois, casou-se com Isabel dos Santos. Nesta entrevista, publicada a 13 de março de 2015, Sindika Dokolo fala sobre negócios, arte e África. Sindika Dokolo faleceu no dia 29 de outubro no Dubai. Tinha 48 anos.

A entrevista está ao chegar ao fim e a pergunta é inevitável. Como é que se sente por ser identificado em Portugal como o marido de Isabel dos Santos? "Além do amor, tenho por ela uma admiração muito grande, e não tenho problema nenhum em ser identificado como o marido da Isabel".

 É quinta-feira, dia 5 de Março, e o relógio marca quatro da tarde. Daqui a duas horas, Sindika Dokolo será condecorado por Rui Moreira com a Medalha de Mérito/Grau Ouro, atribuída pela Câmara do Porto, por ter cedido 80 obras da sua coleção de arte para a exposição "You Love Me, You Love Me Not" que, nesse mesmo dia, foi inaugurada na Galeria Municipal Almeida Garrett.

A conversa decorre na esplanada do Palácio do Freixo. Por baixo do pontão, o rio Douro corre tranquilo.
 
É um dia antecipado de Primavera perfeito e até o vento, que de vez em quando sopra, parece ter como finalidade única aquietar o calor que se faz sentir.

 Sindika Dokolo, de 42 anos, é um dos maiores colecionadores africanos de arte, uma paixão que lhe foi transmitida pelo seu pai, Augustin Dokolo.

 Nesta entrevista ao Negócios, assume-se como empresário, diz que "a arte é uma paixão" e sublinha que a exposição no Porto seria impossível em França ou em Inglaterra. 

Mais tarde, já no museu, deixou uma promessa em nome da fundação que tem o seu nome: "Vamos destinar um orçamento anual para levar artistas do Porto para expor em Angola e trazer artistas de Angola ao Porto."

Paulo Cunha e Silva, vereador da cultura da Câmara do Porto, disse que a exposição "You Love Me, You Love Me Not" mostra a relação paradoxal que os portugueses têm com o continente africano. 

Revê-se nesta análise?

Para mim, é difícil comentar a perspetiva do ponto de vista português. Mas, do ponto de vista africano, uma coisa que me parece muito interessante é o facto de ter existido uma colaboração entre um curador português [Bruno Leitão] e uma curadora angolana [Suzana Souto].

 Na minha opinião, demonstra que a relação entre Portugal e África, mais particularmente entre Portugal e Angola, tem evoluído. Sinto que a maneira de olhar para Angola tem evoluído bastante do lado português e que Portugal é um dos raros países com uma história colonial que conseguiu inverter esse período negativo do fim da colonização. Este tipo de projeto que inaugurámos no Porto não seria possível nem em França nem em Inglaterra. Para mim, enquanto africano, fico feliz por constatar isso.

Sendo congolês, de um país que tem origens coloniais diferentes, neste caso belgas, sente essa diferença?

Claramente. A Bélgica tem uma história um pouco especial. O Congo belga é diferente das colónias francesas, portuguesas ou inglesas. Claramente, nunca houve uma exposição deste nível, que põe duas culturas em pé de igualdade.

Nasceu no Congo, estudou em França. Onde é que aprendeu a falar tão bem português?

Em Luanda. Descobri Angola em 1999. Havia uma situação de guerra no Congo, estava a tentar ir tirar férias no Brasil, perdi o avião e acabei por ficar uma semana em Luanda. E foi uma revelação. 

Era um momento difícil da história de Angola, ainda havia a guerra, existiam muitas incertezas, mas fiquei logo muito sensível à atitude voluntarista, à consciência de si e à dignidade do povo angolano.

Existem afinidades históricas entre o povo congolês e o angolano.

O meu nome, Sindika, significa "o enviado" em kikongo. A capital histórica do Reino do Congo [M’Banza Congo] é em Angola. Eu faço parte dos bacongos da parte Oeste do Congo que vai até ao Congo Brazzaville e ao Gabão.

 Obviamente, há uma grande proximidade, temos dois mil quilómetros de fronteira comum, mas eu não fazia a mínima ideia da realidade angolana. A primeira vez que fui a Luanda senti .